Governo, Congresso e “mercado” batem cabeça sobre Previdência

(fonte: Carta Capital)
 
Em meio aos debates sobre a Emenda Constitucional que congelou os investimentos públicos por 20 anos, a trindade integrada pelo governo, o Congresso e o “mercado” atuava com desenvoltura e entrosamento. Aprovado em dezembro de 2016, o teto que compromete significativamente os gastos em áreas como Saúde e Educação pelas próximas décadas obteve o apoio, nas votações de segundo turno, de 359 dos 513 deputados e de 53 dos 81 senadores, além de ter contado com amplo apoio publicitário de entidades empresariais
 
Quase um ano depois, a trindade bate cabeça. Desgastado após seu “tour de force” para escapar de duas denúncias na Câmara, Temer demonstra pouca disposição em seguir suas negociatas para garantir os votos necessários. Na segunda-feira 6, o peemedebista reconheceu a possibilidade de a reforma sequer ser votada e argumentou que um recuo não inviabilizará o governo. Dessa forma, o peemedebista tentou transferir para os parlamentares o ônus de não atender aos interesses dos agentes econômicos.
 
O prognóstico pessimista de Temer não foi bem digerido pelas outras cabeças da trindade. Embora seja ministro da Fazenda do peemedebista, Meirelles assumiu as dores do “mercado” e garantiu, como se fosse o chefe do Executivo, que não recuaria da reforma. “Não é uma questão de escolha”, disse.
 
O ministro tem razão, embora a falta de escolha seja uma imposição do próprio governo Temer. Com a aprovação do congelamento de gastos, que inviabiliza a expansão dos gastos previdenciários em um momento de rápido envelhecimento da população, as regras atuais da aposentadoria impediriam a aplicação do teto nas próximas décadas. Meirelles sabe que o congelamento é um instrumento de pressão sobre a Previdência. “Para o teto ser sustentável ao longo do tempo, é muito importante fazer a reforma”, defendeu o ministro na quinta-feira 9.
 
A mobilização dos agentes econômicos para salvar a reforma contou com outro notável representante de seus interesses: Rodrigo Maia, presidente da Câmara, que já declarou haver uma coincidência entre a agenda do Congresso e a do “mercado”. Na terça-feira 7, o deputado do DEM cobrou um esforço pela aprovação da reforma e passou a se reunir com Temer para buscar flexibilizar o projeto original.
 
Após uma reunião com o presidente nesta quinta-feira 9, o deputado Arthur Maia (PPS-BA), relator da reforma na Câmara, confirmou um enxugamento do projeto, que previa uma idade mínima de 65 anos para homens e 62 para mulheres, além de um período de contribuição de 25 anos para se ter acesso ao benefício. Segundo o relator, a nova proposta reduzirá o tempo mínimo de contribuição de 25 para 15 anos.
 
Temer e o Congresso têm motivos para buscar uma reforma menos draconiana. O primeiro tenta concluir seu mandato sem novos sobressaltos e não tem a mesma margem para enfrentar a pressão da maioria da população em meio a uma aprovação de apenas 3%, segundo a mais recente pesquisa do Ibope. O segundo está de olho em 2018, e sabe que o eleitorado está atento a quem votar a favor de mudanças drásticas nas aposentadorias.
 
Enquanto duas pontas da trindade buscam a redução de danos, o “mercado” conta com Meirelles para seguir sua pressão. Ao repercutir a nova proposta de tempo mínimo de 15 anos, o ministro disse que a mudança terá de ser “compensada” com outras medidas de ajuste fiscal, embora não tenha especificado quais. O ministro estabeleceu ainda um “piso” para a diminuição no alcance da proposta: a redução não pode ser superior a 50% da economia prevista no projeto original.
 
Mudanças de estofo na Previdência são ensaiadas há algum tempo no Brasil, mas costumam ser frustradas pela dificuldade da classe política em se indispor com seus eleitores. O “mercado” jamais conseguiu impor essa pauta sem resistência em governos democraticamente eleitos, mas encontrou um momento propício na história para fazer valer suas vontades. O entrosamento com a trindade não é, porém, o mesmo de um ano atrás.

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