O lado amargo dos doces

(especial do: Diário de Pernambuco)

A tentação é grande e dificilmente há quem resista a um doce, mesmo em pequena porção após o almoço, ou a passar longe de uma bola de sorvete durante o verão. Mas moderação deve ser a palavra de ordem. Pernambuco é o segundo estado do Nordeste em população afetada pelo diabetes e o consumo exagerado de doces é a porta deixada aberta para a doença, que mata uma pessoa a cada oito segundos no mundo. O alerta fica ainda mais evidente entre as pernambucanas, maiores consumidoras de doces do Nordeste (6° lugar nacional).

Doença crônica, o diabetes se caracteriza pelo aumento dos níveis de glicose no sangue. Esse tipo de açúcar decorrente da digestão dos alimentos é utilizado pelos tecidos em forma de energia. Para isso ocorrer, o pâncreas tem que liberar insulina. A enfermidade se apresenta quando há alteração da produção de insulina ou o corpo desenvolve uma resistência à ação dela.

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Silenciosa, a doença pode estar presente no dobro de pessoas que se tem diagnóstico preciso, segundo o endocrinologista do Hospital Memorial São José Érico Higino de Carvalho. “O grande risco é a doença cardiovascular, que é a maior causa de morte para os pacientes com diabetes. Mas também temos que lembrar que ele é o maior causador de cegueira, amputação e diálise nos países desenvolvidos”, esclarece. A projeção é assustadora quando se considera que 11% dos pernambucanos nunca sequer tiveram a glicose medida. Mesmo entre os com diagnóstico definido, três em cada quatro diabéticos negligenciam o agendamento de exames de visão e dos pés.

A condição é séria e demanda intervenção médica em 60% dos casos – além de medicamentos controlados em 80% deles. No entanto, metade dos diagnosticados com idade inferior a 30 anos deixa de fazer uso de remédios. Para se ter uma ideia, apenas um em cada dez diabéticos do tipo 1 e um em cada quatro do tipo 2 podem ser considerados como integrantes do grupo cuja doença está, de fato, controlada.

O caminho mais curto para evitar o problema é mesmo evitando o consumo de doces, que significa ingestão excessiva de carboidratos e gorduras. Com o crescimento da circunferência abdominal e do fator de obesidade, o diabetes se faz muito mais comum. A boa notícia é que, com uma perda superior a 5% do seu peso, o corpo já apresenta alterações metabólicas suficientes para reduzir esse risco.

Alimentação saudável é a melhor receita | Foto: divulgação

Alimentação saudável é a melhor receita | Foto: divulgação

Saúde acima de qualquer vício

As festas de final de ano contaram com menos doces para a turismóloga Mariana Melo, 24, e a meta é que o consumo – quase religioso – de sobremesas despenque em 2015. Não se trata de promessa de ano novo, mas uma meta para fugir das estatísticas familiares em que o diabetes já se fez uma ingrata realidade. Essa luta quem conta é ela.

“Doces sempre foram meu ponto fraco. Desde criança, era difícil resistir a tortas e, principalmente, a sorvetes. Todo dia, depois do almoço, era pelo menos um pedaço de algo com açúcar. Ano passado, duas vezes por semana, marquei presença em docerias do Recife. A ideia agora é cortar tudo. Se continuar nesse ritmo, provavelmente vou desenvolver diabetes, porque já tenho casos dos dois lados das famílias de meus pais. De seis em seis meses, faço exame de sangue para verificar as taxas de glicose e, há dois anos, o valor chegou no limite. Comecei a mudar. Já tomo suco com adoçante, leite sem açúcar e, nos próximos dias, começo a prática de caminhadas. Difícil vai ser sair com os amigos – todos ‘formiguinhas’!”

A perigosa “conta que não bate”

Atualmente, o número de diabéticos acompanhados por serviços municipais em Pernambuco excede um milhão de pessoas. Mais assustadora que a marca, só a constatação que apenas 8 mil unidades de cinco tipos diferentes de insulina são distribuídas mensalmente nas 29 unidades da Farmácia do Estado. Na prática, isso significa que pouco mais de 2,1 mil pacientes cadastrados no sistema da Secretaria Estadual de Saúde recebem gratuitamente o tratamento. Além da demanda ser bem maior que o atendimento, há registros de insulinas específicas para casos mais graves de diabetes, a exemplo da Lantus, que chegam a faltar.

“Para meu filho não foi comum. Só faltou no ano passado, no último trimestre. Aí você tem que pagar, porque ele não pode esperar”, afirma a administradora Ana Paula de Santana Eça de Lima, 38, cujo filho, Cícero de Lima, 12, foi diagnosticado com a doença há seis anos. Em farmácias privadas, o tratamento excede os R$ 700 mensais o que, para muitos, torna inviável a independência da distribuição gratuita dos medicamentos.

“Hoje, as pessoas precisam entrar na Justiça para conseguir a Lantus. A comum, não. Na época, não foi preciso para meu filho, mas isso significa depender de consultas trimestrais ao Hospital Barão de Lucena, esperando várias horas para conseguir um laudo médico atestando que a vida dele depende do medicamento”, explica.

Cícero é um desses um milhão de pernambucanos a lidar diariamente com a companhia da diabetes e dependem de familiares para levar uma vida com qualidade. No caso dele, é a mãe que faz os cálculos de cada agulha, fita e insulina, bem como vai controlando as dosagens diárias com base em cada alimento ingerido. Explica rapidamente, com a destreza de quem enxerga cada ato de “corrigir carboidratos de acordo com a glicemia” como se fosse conta de padaria. Como tantos, descobriu os riscos e cuidados com o diabetes quando ele bateu em sua porta e, no assunto, se fez mestre. “É a escola da vida”, resume.

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