Sob Bolsonaro, invasões de terras indígenas superam 2018

Na terra indígena Karipuna, em Rondônia, os índios não podem mais usar a estrada que cruza seu território, com medo dos madeireiros. Localizado em Rondônia, a apenas 100 km da capital Porto Velho, o território é a última mancha verde na região do baixo Rio Jaci-Paraná. A mata dos Karipuna, onde crescem ipês, angelins e garapas, virou fonte de madeiras nobres para serrarias da cidade de Buritis e do distrito de União Bandeirantes. Alvo de críticas do presidente Jair Bolsonaro, as terras indígenas estão na mira de invasores. O mais recente balanço lançado pelo Conselho Indigenista Missionário, o Cimi, grupo que faz parte da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), mostra que os ataques, que já vinham aumentando nos últimos três anos, se intensificaram em 2019: em nove meses foram registrados 160 ataques, contra 109 em todo o ano de 2018.

De acordo com o relatório “Violência contra os Povos Indígenas do Brasil – Dados 2018”, divulgado na terça (24) em Brasília, entre 2017 e 2018 o número de ataques a essas áreas cresceu de 96 para 109. Mas devido à quantidade de registros já obtidos para este ano, o Cimi resolveu divulgar também dados preliminares. Os 160 casos de invasão registrados até agora afetaram 153 territórios em dezenove estados. Conflitos originados pela demarcação de terras indígenas não são uma novidade no Brasil. O problema agora, aponta o Conselho, é que os territórios, mesmo aqueles já demarcados e homologados, estão se tornando alvo prioritário de atividades ilegais. Ao contrário do que ocorria no passado, os invasores estão fincando bases dentro de terras indígenas, justamente as áreas onde há menos desmatamento. Levantamento de setembro do Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia) indica que só 6% das queimadas aconteceram dentro das terras indígenas.
 
Os números de invasões apontados pelo Cimi representam uma tendência nacional ainda que as piores situações estejam concentradas na Amazônia. Os ataques visam principalmente o roubo de terra e madeira ou a abertura de garimpos e pastagens ilegais.
 
Os assassinatos de indígenas também vêm crescendo e registraram aumento em 2018, de acordo com o Cimi. Foram 135 casos no ano passado, contra 110 em 2017. A maioria dos casos ocorreu em Roraima (62) e Mato Grosso do Sul (38). Entre 1985 e 2018 foram registrados 1 119 assassinatos de indígenas. Os dados estão sistematizados na plataforma Cartografia de Ataques Contra Indígenas – Caci, um banco de dados com fichas descritivas de cada caso de homicídio ocorrido nos últimos 33 anos. O mapa revela que a situação dos Guarani Kaiowá no Mato Grosso do Sul é a mais dramática. Desde 1985 já ocorreram 450 casos dentro e nas proximidades do município de Dourados. 

Dom Roque Paloschi, presidente do Cimi – Foto de Fábio Nascimento

“Esses números mostram as consequências do discurso do presidente. Há um grande avanço das ocupações, as queimadas são um retrato disso”, afirmou o presidente do Cimi, dom Roque Paloschi, em entrevista na Cúria de Porto Velho (RO), onde é o arcebispo. Para ele, a diferença deste momento com os anos anteriores é a intensificação dos ataques. 

Em discurso na 74ª Assembleia Geral da ONU, no último dia 24, Bolsonaro repetiu uma de suas promessas de campanha: não demarcar mais terras indígenas. “Hoje, 14% do território brasileiro está demarcado como terra indígena. […] Quero deixar claro: o Brasil não vai aumentar para 20% sua área já demarcada como terra indígena”, afirmou o presidente na ONU. Também criticou as organizações de proteção indígena, acusando-as de manipular líderes das etnias, e atacou diretamente o cacique Kayapó Raoni Metuktire.

No texto de abertura do relatório do Cimi, o bispo Paloschi aponta para a “ïnstitucionalização da violência” contra os povos indígenas. Segundo ele, as violações aos direitos dos índios são “promovidas e desencadeadas ao longo de décadas de modo sistemático por particulares e pelo Estado brasileiro”. Porém elas estariam ocorrendo de maneira muito mais acelerada neste momento na Amazônia. 

Uma das questões levantadas pelo Cimi é que, mesmo que exista um grande número de terras indígenas declaradas no Brasil, a maioria delas – 63% – não está regularizada. Ou seja, das 1 290 terras indígenas, 821, por não terem limites demarcados, têm situação frágil. Destas últimas, também a maioria sequer teve os trâmites de legalização iniciados. 

(fonte: Piauí)

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