Temer e Aécio, o abraço de afogados

(fonte: Carta Capital)
A porcentagem de congressistas que acreditam na possibilidade de a Câmara dos Deputados autorizar a investigação de Michel Temer, a partir da denúncia apresentada pelo ex-procurador-geral Rodrigo Janot, deve rivalizar com a popularidade do peemedebista (3%, segundo o Ibope, a menor registrada por um ocupante do Palácio do Planalto desde o fim da ditadura).
 
Mesmo assim, no Congresso, a barganha nunca é demais. Para não correr nenhum risco, o governo reabriu o balcão de negócios das emendas e apressou a tramitação de projetos de interesse dos empresários. Mais: Temer decidiu envolver-se diretamente na operação para salvar o mandato e as noites do senador tucano Aécio Neves, afastado do cargo pelo Supremo Tribunal Federal e proibido de sair de casa quando o sol se põe.

O poder da caneta será testado novamente.

Em seu último ato à frente da Procuradoria-Geral da República, Janot havia denunciado pelos crimes de organização criminosa e obstrução de Justiça Temer e o que restou no governo do “quadrilhão” do PMDB: Eliseu Padilha, ministro da Casa Civil, e Moreira Franco, secretário-geral da Presidência. A investigação, que, caso aprovada, levaria ao afastamento do presidente por 180 dias, só pode seguir adiante se o Congresso autorizar e o STF aceitar.
 
O afastamento de Aécio na terça-feira 26 serviu para unir ainda mais tucanos e peemedebistas em uma espécie de abraço dos afogados. O líder do governo no Senado, Romero Jucá, passou os últimos dias em uma intensa negociação para convencer os pares a enfrentar o Supremo Tribunal. Deu certo. Os senadores decidiram levar a plenário, no próximo dia 3, o caso do colega mineiro.
 
Pelas declarações inflamadas contra o “ativismo judicial” e a “judicialização da política”, ameaças ignoradas quando o STF determinou o afastamento de Delcídio do Amaral, os congressistas, tudo indica, estão dispostos a revogar a determinação dos ministros da Corte e devolver o mandato ao ex-presidente do PSDB, citado por nada menos que sete delatores da Operação Lava Jato.
 
Um deles chegou a definir Aécio como “o mais chato” na cobrança de propina. O gesto de Temer é um recado ao tucanato: o partido precisa tanto do PMDB quanto este precisa dos peessedebistas. Na análise pela Câmara da primeira denúncia contra Temer, em agosto, o PSDB dividiu-se: 22 deputados votaram a favor do peemedebista e 21 contra. Um dos favoráveis na votação anterior, Bonifácio Andrada, acabou escolhido para relatar na Comissão de Constituição e Justiça a nova acusação. A nomeação de Andrada não foi aleatória.
 
Os líderes do PMDB esperam mais fidelidade dos tucanos desta vez e não se cansam de mencionar que a legenda é fiadora do governo, que lhe entregou três ministérios (Cidades, Relações Exteriores e Secretaria de Governo) e vários cargos importantes em estatais, além de encampar seu programa de privatizações e redução do Estado. Apesar das pressões do Palácio do Planalto e do empenho em prol de Aécio Neves, Ricardo Tripoli, líder do PSDB na Câmara, não acredita que os deputados do partido a favor da investigação e, por consequência, do afastamento de Temer vão reavaliar seus votos. “Quem mudar vai ter de se explicar à base”, afirma.
 
A operação “salva Aécio”, de tão explícita, provocou outras fissuras. Em vídeo, o senador Renan Calheiros acusou o correligionário de burlar a separação entre os poderes: “Infelizmente, temos no Brasil um presidente sem legitimidade, sem base social, menor do que a cadeira que ocupa. Isso preocupa a todos porque Temer não tem dimensão institucional. Não se trata de salvar Aécio, mas de salvar a Constituição, a democracia e a representação popular”.
 
Retórica à parte, a manifestação de Calheiros exprime o mal-estar latente no Congresso. As malas de dinheiro e as delações contundentes, somadas à galopante impopularidade, aumentaram o ônus do apoio a Temer. O desgaste, avaliam parlamentares, ficará evidente na votação da denúncia. Em agosto, quando os deputados analisaram a primeira “flechada” de Janot, o peemedebista obteve 263 votos a seu favor, 91 a mais do que os 172 necessários para barrar a investigação. Ninguém mais em Brasília espera a repetição desse placar.
 
A maioria aposta em um total bem próximo do mínimo exigido para que a peça acusatória da PGR adormeça ao lado da primeira na gaveta do STF até o peemedebista deixar o governo. O quórum livra o pescoço do peemedebista da guilhotina, mas lança dúvidas sobre a capacidade de continuar a aprovar as reformas, em especial a da Previdência.
 
E como o bordão “quem não chora não mama” anda popular, os aliados decidiram testar os nervos dos ocupantes do Palácio do Planalto. Por pouco, o PSOL não conseguiu derrubar o status de ministério da Secretaria-Geral da Presidência, pasta na qual se aboleta Moreira Franco. O governo teve de suar e venceu por uma margem apertada de cinco votos. Se fosse derrotado, Moreira Franco perderia o foro privilegiado e ficaria mais perto das garras da Justiça. Segundo um deputado do chamado “Centrão”, bloco formado por 12 partidos da situação, a proposta do PSOL só não prosperou por falta de articulação oposicionista.
 
A oposição estava concentrada em outro objetivo, a estratégia de fatiar em duas a denúncia contra o “quadrilhão”. Uma trataria de Temer, a outra de Padilha e Moreira Franco. Por ora, não funcionou. Rodrigo Pacheco, presidente da CCJ, comissão responsável pelo parecer que embasará a votação em plenário, rejeitou preliminarmente a sugestão. O deputado Alessandro Molon pretende, no entanto, apresentar um requerimento durante a reunião da CCJ, ainda sem data marcada. “Não há sentido em obrigar os parlamentares a votar de uma única forma sobre todos os casos”, afirma o parlamentar.
 
Não bastasse, Temer se vê às voltas com a rebelião da bancada mineira. Embora o governo e parte da mídia tenham celebrado a privatização de quatro usinas da Cemig por cerca de 12 bilhões de reais, os parlamentares mineiros sabem que as vendas, feitas às pressas para reduzir o rombo das contas públicas, representam a entrega a preço de banana de um patrimônio público. As usinas leiloadas não têm mais dívidas financeiras provenientes da época de sua construção, o que reduz drasticamente os custos de operação e aumenta a margem de lucro. O peemedebista Fábio Ramalho, vice-presidente da Câmara e coordenador dos deputados de Minas Gerais, resume a insatisfação: “Não temos compromisso de votar com o governo”.
 
Ramalho reclama da quebra de uma promessa da equipe econômica. O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, havia prometido vender uma das usinas à própria companhia, mas descumpriu o trato. “Respeitem Minas. Minas é a terra da liberdade, mas também é a terra do respeito e, sobretudo, onde a gente honra o que foi acertado”, disse o deputado, que em uma demonstração de rebeldia se absteve na votação sobre o status de ministro de Moreira Franco.
 
A base aliada só se manteve coesa ao atender uma demanda do setor privado. Na quarta-feira 27, a Câmara aprovou a Medida Provisória que autoriza o parcelamento de dívidas das empresas com o Fisco. O novo Refis prevê descontos generosos, de até 80% nos juros e 70% nas multas. Boa parte dos parlamentares legislou em causa própria. Calcula-se que ao menos cem deputados sejam proprietários de companhias inadimplentes. Integra o grupo o relator da medida, Newton Cardoso Jr., do PMDB de Minas Gerais, presidente da Companhia Siderúrgica Pitangui, que deve 48,7 milhões de reais à União. Trata-se, certamente, de mais uma contribuição ao desenvolvimento do capitalismo nativo.

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