Trump ordena ataque dos EUA à Síria. O que vem pela frente?

O conflito teve uma nova escalada, mas ainda não se sabe qual a real estratégia de Washington para lidar com Assad e o Estado Islâmico.

O conflito teve uma nova escalada, mas ainda não se sabe qual a real estratégia de Washington para lidar com Assad e o Estado Islâmico.

(fonte: Carta Capital)
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A Marinha dos Estados Unidos lançou na noite de quinta-feira 6 um bombardeio contra a base de Shayrat, em Homs, uma das principais da força aérea de Bashar al-Assad, no primeiro ataque de Washington que teve como alvo a liderança do regime sírio. A ofensiva se deu em represália a um ataque químico realizado em Khan Sheikhun, província de Idlib, dominada por rebeldes, que a Casa Branca atribui a forças de Assad. Trata-se de um novo e importante agravamento na guerra civil Síria, que em seis anos deixou centenas de milhares de mortos e 5 milhões de refugiados.
 
Como foi realizado o ataque?
 
O bombardeio foi autorizado pelo presidente dos EUA, Donald Trump, e partiu de dois destróieres da Marinha norte-americana, o USS Porter e o USS Ross, estacionados no Mar Mediterrâneo. Segundo o Pentágono, o Departamento de Defesa dos EUA, 59 mísseis Tomahawk foram lançados contra a base de Shayrat. A base teria sido a origem dos ataques contra Khan Sheikhun. “O ataque foi uma resposta proporcional ao ato hediondo de Assad”, disse o Pentágono em um comunicado. “O uso de armas químicas contra inocentes não será tolerado”, afirmou.
 
Qual foi o resultado do bombardeio?
 
O Pentágono disse que atingiu aviões, abrigos de aeronaves, depósitos logísticos e de combustível, bunkers de munição, defesa aérea e radares. A agência de notícias oficial do governo da Síria não confirmou danos militares, mas afirmou que a agressão norte-americana provocou a morte de nove civis, incluindo quatro crianças, deixou sete feridos e causou danos importantes em casas das localidades de Al-Shayrat, Al-Hamrat e Al-Manzul, próximas à base.
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O que Trump alegou para ordenar o ataque?
 
No discurso que vez logo após o lançamento do bombardeio, o presidente dos Estados Unidos tentou retratar o ato como uma resposta direta ao ataque químico atribuído a Assad. Trump iniciou sua fala afirmando que “Assad sufocou a vida de homens, mulheres e crianças sem esperança”, que sofreram “uma morte lenta e brutal para muitos”. Ainda segundo Trump, a retaliação representa um ‘interesse vital da segurança nacional dos EUA”, pois ajuda a “prevenir e impedir o uso de armas químicas mortais”.
 
Fatores da política interna também podem ter pesado para o ataque. Trump se encontra acossado por uma série de críticas a sua administração, como a desorganização no que tange a política externa e a proximidade com a Rússia, que vem sendo investigada pelo FBI, a polícia federal dos EUA. A demonstração de força pode, para o público norte-americano, mostrar assertividade e independência de Moscou, que apoia Assad firmemente. De quebra, Trump deve experimentar uma alta em sua popularidade, como costuma ocorrer no início de ofensivas militares norte-americanas.
Mísseis Tomahawk lançados pelos EUA no Mediterrâneo (Foto: Ford Williams / Marinha dos EUA / AFP)

Mísseis Tomahawk lançados pelos EUA no Mediterrâneo (Foto: Ford Williams / Marinha dos EUA / AFP)

O ataque significa que os EUA vão invadir a Síria?
 
Não. O discurso de Trump, o alvo localizado do ataque e sua pequena monta indicam que a intenção da Casa Branca é fazer deste bombardeio uma ação pontual, que sirva de recado não apenas para Bashar al-Assad, mas para outros países que possuem armas químicas ou nucleares, como a Coreia do Norte, a respeito da intenção de Washington de impedir o uso desses armamentos.
 
Então qual é a estratégia dos EUA para a Sìria?
 
Trata-se de uma incógnita. Na quarta-feira 5, o general Mark Milley, chefe do Estado-maior dos EUA, esteve no Comitê das Forças Armadas da Câmara e foi questionado sobre qual a estratégia de Washington para a Síria. Ele não soube responder e sugeriu ao deputado que o questionou que perguntasse a Trump e seu secretário de Defesa, James Mattis, pois os militares trabalham sob uma cadeia de comando. Chama atenção, entretanto, a abrupta mudança de discurso dos EUA em relação a Assad. Exatamente uma semana antes do ataque contra a Síria, os principais nomes da diplomacia dos EUA, o secretário de Estado, Rex Tillerson, e a embaixadora na ONU, Nikki Haley, indicaram que aceitavam a permanência de Assad no futuro da Síria.
 
Após o ataque químico, as posições mudaram. Em seu discurso, Trump falou abertamente sobre promover uma mudança de regime na Síria. “Hoje à noite clamo a todas as nações civilizadas a buscar acabar com o massacre e o derramamento de sangue na Síria e também para acabar com o terrorismo de todos os tipos e de todos os tipos.” Para a comunidade internacional, fica claro que os EUA com Trump são mais assertivos do que eram com Barack Obama, mas espanta o fato de sua política externa ser modificada de maneira tão repentina.
 
Mas é possível combater Assad e o Estado Islâmico ao mesmo tempo?
 
A guerra civil da Síria tem todos os ingredientes para se prolongar por muitos anos. A sociedade se tornou totalmente incoesa, há diversos grupos beligerantes, nenhum deles com força militar ou política para vencer e muita interferência estrangeira. Hoje, só seria possível tentar colocar fim ao conflito com uma invasão de larga escala, com dezenas ou centenas de milhares de soldados, nos moldes do que os Estados Unidos realizaram no Afeganistão em 2001 e no Iraque em 2003. Esta hipótese, entretanto, não deve ser levada a cabo, pois ela traz em seu bojo um enorme risco de provocar uma épica guerra regional envolvendo o Irã, principal apoiador de Assad, e a Arábia Saudita, que atua para tirá-lo do poder, além de outros países. Neste cenário, surgem contradições. Qualquer ataque contra as forças de Assad é, na prática, um ato em favor dos rebeldes, mas também do Estado Islâmico. Não retaliar as atrocidades de Assad, em contrapartida, significa apoiar um ditador sanguinário.
Com imagens das vítimas do ataque químico, moradores de Khan Sheikhun protestam contra Assad.

Com imagens das vítimas do ataque químico, moradores de Khan Sheikhun protestam contra Assad.

E qual foi a reação da Rússia?
 
A Rússia foi avisada do ataque e o alvo foi confirmado pelo Pentágono como não tendo militares russos. Ainda assim, Moscou mostrou imensa irritação com a ação militar de Trump, ao chamar o ataque de “agressão contra um Estado soberano”. O presidente russo, Vladimir Putin, disse considerar o bombardeio uma “agressão contra um Estado soberano” baseado “em pretextos inventados”. “Esta ação de Washington causa um prejuízo considerável às relações entre Estados Unidos e Rússia, que já se encontram em um estado lamentável”, afirmou o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov.
 
É importante ter em conta, entretanto, que não é do interesse russo escalar o conflito com os Estados Unidos na Síria. A Rússia continua sendo o ator externo de maior força no país, capaz de alguma forma de ditar os rumos do conflito. Assim como os EUA, Moscou não pretende e não deseja aumentar seu envolvimento na Síria, invadindo e ocupando o país.
 
Qual deve ser o desfecho do ataque então?
 
O cenário mais provável é que o ataque dos Estados Unidos à força aérea de Assad seja mesmo um episódio pontual. A tendência é que os ímpetos aflorados desde a noite de quinta-feira 6 sejam acalmados e EUA e Rússia concordem, ao menos tacitamente, em manter suas posições: o primeiro como “polícia moral” do mundo, que combate o uso de armas químicas, e a segunda como uma indignada defensora da soberania dos Estados, ainda que estes sejam comandados por figuras como Assad.
 
O interesse primário de Washington e Moscou deve continuar sendo o Estado Islâmico, que nos próximos meses sofrerá importantes derrotas militares tanto no Iraque quanto na Síria. Este, sim, será um momento delicado, um divisor de águas. Quando o ISIS, como também é chamado o grupo extremista, perder seus territórios, uma nova disputa se abrirá, talvez ainda mais violenta, pois colocará frente a frente os blocos liderados pelo Irã e pela Arábia Saudita. O Iraque pós-Estado Islâmico será extremamente complicado, mas a Síria pós-Estado Islâmico representará um desafio monumental à comunidade internacional, por conta dos inúmeros interesses locais, regionais e globais circulando por ali. Como se trata do Oriente Médio, a tendência, sempre, é tudo piorar.

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