Um estranho no ninho

Imagem Ilustrativa

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CRÔNICA ///
No ônibus um psicótico crônico apresenta comportamentos bizarros. Ri sem motivos, ensaia um idioma diferente e diz ser um enviado de Deus. Sujo e rasgado. Bem o estereótipo daquele sujeito institucionalizado advindo de um longo período de internação manicomial. Uma figuraça. Tipo andarilho e profeta. Mas sua imagem causa repulsa, medo e aversão aos que estão ao redor. Compreensível? Não sei se hoje, em pleno século XXI, pode-se dizer que sim, embora ninguém seja obrigado a ter a mesma sensibilidade que eu. É… Talvez seja aceitável, sim. Tudo bem, faz parte.
 
Só que pessoas “mandaram” ele descer do ônibus. Estou longe de ser tolerante com as injustiças sociais, ainda mais com minorias – principalmente com os que são meus. Contestei, reivindiquei, discuti. Tudo em vão. Dialogar com indiferentes não é fácil. E eu confesso, não consigo tanto. Tento conversar, mas o coro contra a presença do pobre coitado é mais alto que minha fala de defesa e compaixão. Os que não mostraram posição permaneceram intactos, tapando os olhos. Ele, enfim, resolveu não entrar no conflito e desceu. As expressões de nojo transformaram-se em faces de alívio; de tranquilidade pela saída do homem.
 
Antes que o jargão do senso comum “tá com pena desce com ele e leva pra casa” bradasse, resolvi descer junto. Abordei o rapaz, me apresentei, ouvi sua demanda e, prontamente, o encaminhei ao CAPS orientando as coordenadas. Dessa vez não digo que foi racismo porque ele é branco. Nem homofobia porque ele é hétero. Muito menos xenofobia porque não é nordestino. Foi crime contra o ser humano, mesmo. A psicofobia existe e ela não perdoa as formas da loucura. Eu espero que essas pessoas reflitam e entendam o seguinte: da degradação social e insanidade ninguém tá livre. E se o mundo gira e dá voltas é para reparar coisas que o bom senso, o amor, a compreensão, a ética, a moral e a fraternidade não são capazes de resolver.

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