A nova onda conservadora no Brasil

(fonte: Carta Capital)
 
Após eleger em 2014 o Congresso mais conservador em cinco décadas, a sociedade brasileira atingiu o ápice do conservadorismo dos últimos anos em dezembro de 2016, segundo uma pesquisa divulgada pelo Ibope. De acordo com o levantamento, 54% dos brasileiros têm posições tradicionais em relação a questões como legalização do aborto, casamento entre pessoas do mesmo sexo, pena de morte e redução da maioridade penal.
 
A análise, realizada em 2010 e repetida no ano passado, mostrou uma variação importante. Em temas ligados à violência, todos os questionamentos apresentaram oscilação para cima. A porcentagem de pessoas a favor da pena de morte saltou de 31% para 49%. Quando a pergunta foi acerca da prisão perpétua para crimes hediondos, a porcentagem passou de 66% para 78%.
 
Mais recentemente, as manifestações contra exposições artísticas no País, o retorno de um moralismo exacerbado, principalmente nas redes sociais, e a ascensão do deputado federal Jair Bolsonaro (PSC) nas pesquisas de intenção de voto para o pleito presidencial de 2018 transformaram o cenário político e social do Brasil.
 
É possível dizer que o Brasil é um País conservador? De acordo com o professor Emérito da USP, José Arthur Giannotti, o conservadorismo brasileiro está associado às bases históricas de construção da sociedade.
 
“Um País que nasceu do Estado, forjando uma economia escravocrata e mais tarde, muito desigual, só poderia ser governado por elites cujos acordos excluíam as vontades populares. Há uma camada que sempre foi extremamente conservadora no Brasil e que agora encontrou meios de manifestação”, disse.
 
A desigualdade é um fator que ajuda a explicar o conservadorismo atual, acredita José Álvaro Moisés, professor de Ciência Política da USP e Diretor Científico do Núcleo de Pesquisa de Políticas Públicas – NUPPs/USP.
 
“Qualquer sociedade contemporânea complexa e desigual, como é o caso do Brasil, tem uma multiplicidade de interesses que estão escondidos e passam a se debelar publicamente, gerando uma série de conflitos”, afirma.
 
Para Luiz Felipe de Alencastro, professor emérito da Universidade da Sorbonne, em Paris, e docente na Fundação Getúlio Vargas (FGV), a onda conservadora atual apoiada na insatisfação da classe média.
 
“Eu acho que é uma gente que se sentiu ameaçada por uma ascensão social de pessoas mais modestas. Os últimos debates sobre concentração de renda mostram que os ricos continuaram ricos, e os pobres avançaram em detrimento da classe média. Isso levou a uma exacerbação dessa mentalidade quase de apartheid social”, pondera.
 
Mistura de política e religião
 
Outro fator que tem acentuado a presença de ideias mais tradicionais é o crescimento das igrejas pentecostais e neopentecostais no Brasil, pontua Reginaldo Prandi, sociólogo da USP. O número de evangélicos no País aumentou 61,45% entre 2000 e 2010, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em 2000, cerca de 26,2 milhões se disseram evangélicos, ou 15,4% da população. Em 2010, eles passaram a ser 42,3 milhões, ou 22,2% dos brasileiros.
 
Atualmente, a Frente Parlamentar Evangélica (FPE), liderada pelo deputado João Campos (PRB), tem 92 deputados no Congresso. Os membros da FPE são a principal vitrine da mistura de política e religião no Brasil. Dezenas de projetos de cunho conservador ligados aos deputados da frente vêm sendo levados ao Congresso.
 
“Isso [conservadorismo] é efeito do crescimento do segmento evangélico e de alguns setores de posição ideológica mais à direita, e que até agora não se sentiam à vontade para se expressar”, argumenta Álvaro Moisés. “Esses agrupamentos que estão colocando a cabeça de fora e assumindo suas identidades estavam escondidos. Eles tinham medo de se manifestar contra a liberdade sexual, contra a união de pessoas do mesmo sexo”, analisa.
 
O fator Bolsonaro
 
Pesquisas de intenção de voto nas eleições presidenciais de 2018 colocaram o deputado federal Jair Bolsonaro (PSC-RJ), ferrenho defensor da ditadura militar, do autoritarismo e de ideias ultraconservadoras, como vice-líder na corrida eleitoral, atrás de Luiz Inácio Lula da Silva, que ainda não tem sua candidatura confirmada. Na mais recente pesquisa do Datafolha, divulgada no último fim de semana, Bolsonaro aparece em segundo lugar na corrida presidencial em quase todos os cenários abordados pelo instituto, superando rivais de centro.
 
A ascensão da política promovida por Bolsonaro e pela extrema direita tem a ver com a ausência de opções plausíveis no cenário político nacional, reforça Álvaro Moisés. O momento é propício para o surgimento de aventureiros, diz.
 
“Tenho feito pesquisas com o eleitorado brasileiro para medir a confiança nas instituições. As últimas duas foram em 2006 e 2014. Elas apontam uma tendência de desconfiança muito grande dos setores mais diversos em relação aos partidos e ao Congresso Nacional”, afirma. “Se essa tendência de descrença e rejeição permanece por muito tempo, essas pessoas que se sentem desrespeitadas começam a formar uma base social a favor de posições autoritárias.”
 
Bolsonaro tem arregimentado seguidores no Brasil e fora dele. Durante viagem pelos EUA, em outubro, ele defendeu o fim da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), a liberação de armas de fogo para cidadãos, a desburocratização para empresas, entre outros temas. A visita contou tanto com gritos de “mito” entoados por simpatizantes quanto com a manifestação de pessoas contrárias às posições expostas pelo militar.
 
Apesar da aparente ascensão, Reginaldo Prandi, que é um dos idealizadores do modelo de pesquisa utilizado pelo Datafolha, acredita ser muito cedo para avaliar os números do deputado federal.
 
“Uma coisa que a gente aprendeu desde o começo com as pesquisas é que quem sai na frente nem sempre chega lá. A coisa só vale depois que a campanha começa, as alianças se estabelecem, os discursos vêm a público e as rivalidades aparecem. Ele é um franco-atirador, e eu não acho que tenhamos que ter medo desse tipo de figura”, completa.
 
Alencastro, por sua vez, diz não ter a menor dúvida de que o deputado será derrotado. “Esse é um tipo de candidato que não suporta dois turnos. O caso de Marine Le Pen [candidata populista de direita na França] tornou isso muito evidente. Ela era muito mais profissional [que Bolsonaro], e mesmo assim o primarismo e a agressividade ficaram perceptíveis nos debates”, afirma.
 
“Bolsonaro é muito pouco profissional do ponto de vista da própria expressão do autoritarismo dele. É um populista no pior sentindo da palavra”, avalia.

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