Ovos, pedras, tiros: a escalada extremista contra a caravana de Lula

(fonte: Carta Capital)
 
A escalada de violência contra a caravana do ex-presidente Lula pelo Sul do Brasil chegou ao seu ápice com os quatro tiros disparados contra os ônibus que acompanhavam o petista na terça-feira 27. A proliferação de grupos extremistas na região impressiona, assim com o recrudescimento de suas táticas: de ovos, passaram a atacar pedras, jogar pregos no asfalto até, enfim, empunharem armas de fogo.
 
O desenho do mapa político da região formada por Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná foi claramente demarcado na votação que determinou o afastamento da presidenta eleita Dilma Rousseff. Dos 77 deputados dos três estados, 52 apoiaram o impeachment que colocou Michel Temer na presidência.
 
O domínio conservador nos governos estaduais e nas três capitais, além da maior parte do interior dos estados, está diretamente relacionada à criminalização do Partido dos Trabalhadores e os ataques à Lula.
 
Diante desse cenário, era possível prever manifestações contrárias à passagem da caravana, mas nem os mais pessimistas imaginavam um quadro tão preocupante de violência e ódio por parte grupos fascistas, cuja atuação tem recebido vista grossa de parte da classe política.
 
“O que está ocorrendo é uma provocação do ex-presidente e a sociedade tem que responder a essa provocação de alguma maneira. A responsabilidade é de quem provoca”, opinou Álvaro Dias, o senador pelo Paraná e o pré-candidato à presidência pelo recém-criado PODEMOS. “Eu não compactuo com nenhum tipo de violência, mas se há violência é porque houve desrespeito de alguém que deveria oferecer exemplo de um comportamento civilizado.”
 
As tentativas de bloqueio nas estradas foram a tática repetida ao longo de toda a viagem com a utilização de extrema agressividade por parte da direita raivosa, que criminosamente jogava pedras e objetos nos ônibus da caravana com a conivência da polícia em praticamente todos os episódios.
 
A imagem das autoridades perfiladas ao lado dos conservadores com escudos enquanto esses atacavam com o arremesso de ovos, objetos e foguetes em direção à militância de esquerda em Chapecó (SC) deu o tom da postura das forças oficiais de segurança ao longo dos nove dias de deslocamentos e visitas, a maioria realizada nas praças centrais da cidades e em obras e realizações impulsionadas pelos governos petistas.
 
A utilização de tratores por ruralistas foi um expediente largamente utilizado. O senador Paulo Bauer (PSDB-SC), aliado partidário do também senador Aécio Neves (PSDB-MG), sugeriu que o centro de Florianópolis, onde ocorreu um dos atos, fosse tomado para não permitir a concentração programada pelo petista.
 
A professora Márcia Reis, da capital catarinense, rebate. “Temos o direito de agradecer a Lula pelos feitos de seu governo e desejar que ele volte à presidência para debelar a onda de ódio insuflada por uma direita hipócrita e reacionária que transformou esse país num lugar de restrições de direitos e de afronta aos valores constitucionais.”
 
Ainda em Santa Catarina, o ex-ministro da Educação e ex-prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, reconhecido pela serenidade, enfatizou sua indignação ao quase ser proibido e sofrer ameaças ao entrar em instituições que representam o legado das gestões de Lula e Dilma, como institutos e universidades federais.
 
A resposta aos insultos veio com a potência do apoio popular que escoltou o ex-presidente até o hotel em uma emocionante caminhada de três quadras após o ato com mais de dez mil pessoas em Chapecó.
 
“A caravana é para escutar o povo, saber do que ele está precisando, é por isso que ela está sendo vitoriosa. Do outro lado, um mesmo grupo vem passando pelas cidades para nos ameaçar, isso é inaceitável em um país democrático. Tratam-se de milícias armadas a favor de uma candidatura, mas não temos medo algum de enfrentá-los”, ressaltou a senadora pelo Paraná e presidenta do PT, Gleisi Hoffmann.
 
A referência da parlamentar está ligada aos gritos de apoio ao deputado federal Jair Bolsonaro, pré-candidato à presidência pelo PSL. Nesta quarta-feira, o presidenciável irá à Curitiba, onde a caravana de Lula se encontra. O deputado convocou um ato na capital paranaense exatamente na mesma data do encerramento da caravana pelo sul.
 
Se Bolsonaro é o líder máximo da extrema-direita no plano nacional, a direita regional é estimulada pelos discursos de figuras públicas como a senadora Ana Amélia Lemos (PP-RS), que não demorou a elogiar a atitude dos extremistas que receberam com ovos e relho (chicote) os apoiadores de Lula, afirmando serem esses os verdadeiros gaúchos durante convenção do Partido Progressista, em Porto Alegre.
 
A senadora alegou não ter tempo para conversar com a reportagem e sugeriu que acompanhasse seus pronunciamentos da tribuna do Senado. Enquanto exaltava a intransigência conservadora, a parlamentar ligada à empresa RBS, retransmissora da Rede Globo, silenciava sobre os atentados contra a vida de militantes sociais.
 
Em Cruz Alta, quatro mulheres foram espancadas por radicais e em Bagé uma estudante apanhou de chicote da milícia que protagoniza a violência sulista, afora outros episódios nem sempre registrado pelo medo de novas retaliações.
 
Em uma das situações mais graves ocorridas, a falta de atitude da polícia inviabilizou a chegada da caravana em Passo Fundo (RS). Diante da interrupção dos acessos e das ameaças à militância próxima à área onde ocorreria o evento com os ex-presidentes Lula e Dilma, a declaração oficial da instituição feita por meio do secretário de segurança do Rio Grande do Sul, Cezar Schirmer (PMDB) foi de que não teria condições de garantir a segurança dos ex-presidentes e seus apoiadores.
 
A complacência da polícia contrasta com a ação empregada em situações de reintegração de posse de terras ou imóveis, geralmente efetivada contra organizações sociais e as classes populares.
 
Os acontecimentos, de acordo com o deputado federal Fernando Franceschini (SD-PR), deveriam servir de exemplo para os paranaenses de como se portar diante da caravana. O delegado postou em suas redes a frase “o meu candidato é apoiado pela polícia, o seu é procurado por ela”, em alusão ao seu apoio a Bolsonaro e rejeição a Lula.
 
Apesar da pressão, os atentados não conseguem impedir o avanço da comitiva devido à presença de movimentos como o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) e da Central Única dos Trabalhadores (CUT), responsáveis muitas vezes por garantir a segurança do ex-presidente e das equipes de trabalho que seguem a viagem.
 
Em meio à escalada fascista, o Judiciário define o futuro do ex-presidente. O Tribunal Regional Federal de Porto Alegre (TRF-4) rejeitou os recursos apresentados pela defesa de Lula, que agora aguarda o julgamento de seu habeas corpus no Supremo Tribunal Federal. O impasse gera ainda mais instabilidade no cenário social e dá munição aos que se comportam não como adversários politicos, mas como inimigos do exercício democrático.
 
“Eles que criem juízo porque quem pode julgar é o povo, não são esses juízes sem moral. O tribunal que queremos é o do povo e das urnas. Ninguém vai te prender nesse país, Lula”, afirmou João Pedro Stédile, membro da coordenação nacional do MST, dirigindo-se ao ex-presidente.

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