Sobre terrorismo e jornalismo

(Escrito por: Rafael Faustino)

É imperdoável, horrível, injustificável o ato terrorista cometido hoje por extremistas muçulmanos na França, assassinando jornalistas e cartunistas. Mas não é possível, no entanto, resumir a terrível ação a um “atentado à liberdade de expressão” ou contra o jornalismo em geral, como já vi muitos fazerem hoje. Para isso, é necessário ser um tanto desinformado enquanto cidadão. Ou mesquinho, enquanto jornalista.

O que houve hoje foi mais um capítulo de uma guerra sangrenta e não anunciada que se desenrola há décadas: de parte do ocidente contra parte do povo islâmico. Mais um triste acontecimento de um conflito marcado pela interferência ocidental – sempre capitaneada pelos EUA – em países como Irã, Iraque e, mais recentemente, Líbia e Síria; pela imposição à força de Israel em território palestino; e também pelo inesquecível 11 de setembro, pelas constantes agressões a embaixadas ocidentais e pelas chocantes decapitações promovidas pelo autoproclamado Estado Islâmico recentemente.

 Jornalistas da agência de notícias francesa AFP (Agence France Presse) seguram placas com a mensagem "Eu sou Charlie" enquanto fazem um minuto de silêncio em homenagem às vítimas do ataque à revista satírica "Charlie Hebdo", nesta quarta-feira, em Paris. Os três suspeitos de terem perpetrado o atentado já foram identificados pela polícia, segundo agências internacionais. Eles continuam foragidos


Jornalistas da agência de notícias francesa AFP (Agence France Presse) seguram placas com a mensagem “Eu sou Charlie” enquanto fazem um minuto de silêncio em homenagem às vítimas do ataque à revista satírica “Charlie Hebdo”, nesta quarta-feira, em Paris. Os três suspeitos de terem perpetrado o atentado já foram identificados pela polícia, segundo agências internacionais. Eles continuam foragidos

Jornalistas são, muitas vezes, pegos no meio desse e de outros conflitos por cumprir missões honestas, corajosas e, por isso, louváveis. Mas são também, muitas vezes, parte atuante e opressora dessa guerra. Ao aceitar, proliferar e apoiar, por exemplo, histórias fantasiosas e criminosas como a existência de armas de destruição em massa no Iraque, que tantas mortes de inocentes causaram. Ridicularizar e humilhar a fé alheia por meio de desenhos que serão vistos talvez por milhões de pessoas, em um momento em que cresce, na França, um enorme movimento anti-islâmico e xenófobo, é uma irresponsabilidade e incitação à violência. Passa longe de justificar o derramamento de sangue, mas tampouco deve ser louvado por suposta coragem de seus autores.

Hoje a paz ficou muito mais distante de todos nós. Paz que não virá enquanto ambos os lados, ora um mais cruel, ora outro, usarem demonstrações de força como único recurso para se afirmarem. Só o que poderá trazê-la, creio, é um armistício completo de lado a lado, e o reconhecimento de que não há vencedores, apenas perdedores. E a admissão de que desejos políticos imperialistas ou o pensamento religioso não justificam, jamais, a perda de vidas.

Aos jornalistas, acho que cabe refletir sobre o papel que cumprem servindo de instrumento, ou atuando conscientemente para um dos lados. Enquanto a liberdade de ofender e contar mentiras continuar sendo confundida com a de expressar-se, nossa profissão irá mal. E mais violência virá.

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