Jogando com fé

(escrito por João Almeida – Doentes por Futebol)

Como de costume, ela não falhou. 

Não se pode falar em milagre, talvez em uma intervenção divina, sobretudo logo no começo, quando Ele interveio no chute de Orué e o soprou em direção à trave. Nada caiu do céu, mas os céus conspiraram para isso. Conspiraram para que os pés santos de Ortigoza fizessem 40 mil torcedores no Nuevo Gasómetro delirarem – como recompensa por tudo o que eles fizeram (inclusive o próprio templo onde estavam).

E que templo. Se por ventura o Papa Francisco for canonizado, a cerimônia deverá acontecer onde ele promoveu a adição dos deuses do futebol à Santíssima Trindade. E onde, concomitantemente ocorrerá a canonização de Edgardo Bauza, que canalizou as forças sagradas na hora mais importante.

Nunca um conclave esteve tão estritamente ligado ao futebol. Francisco superou adversários tidos como favoritos – inclusive um brasileiro – e desde que assumiu sua posição, passou sua energia para o seu time. O viu ser campeão argentino e ir à Libertadores, na qual começou mal. Se classificou de forma dramática, no finalzinho, eliminando um brasileiro. Na sequência, fez o mesmo. Posteriormente, tirou mais um tupiniquim da disputa. Se Deus é brasileiro, virou a casaca desde a posse do argentino, pelo menos por enquanto.

O abençoado Ortigoza comemora o seu gol | Foto: Reuters

O abençoado Ortigoza comemora o seu gol | Foto: Reuters

O time teve fé. Jogou com fé. E a fé andou ao seu lado o tempo todo. Agora, Boedo é uma sucursal do Vaticano. Os torcedores fiéis se resumiram a fiéis. Aqueles que não criam, agora creem. Creem em um time que muda da água para o vinho em segundos, após surpreendente começo do não menos surpreendente Nacional. Jogam as mãos para o céu em gesto de agradecimento parecido com o de Coronel, que antecedeu um novo gesto de Sandro Meira Ricci – mais um brasileiro a contribuir com o time (de forma justa, diga-se de passagem) – apontando para a marca da cal.

O tento de Ortigoza freou o ímpeto dos visitantes, motivados pelo gol paradoxalmente marcado por quem carrega a Santa Cruz no nome. Gol que parecia mostrar que a fé não seria tão efetiva. Gol que iludiu, afinal, tinha que ser. Por mais que isso reflita um dogma de uma religião que não a católica, era o destino. Era para ser assim. O San Lorenzo sagrou-se campeão. Ganhou pelo que fez em campo, mas Francisco teve sua parcela de culpa, nem que tenha sido contribuindo com o psicológico do time, que parecia pensar que, se Deus estava ao seu lado, quem poderia lhe bater? É importante jogar com garra, raça, técnica, tática… mas, como já dizia Gilberto Gil, a fé não costuma faiá.

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