O futebol é um poema

 (escrito por: Wagner Sarmento, repórter do Jornal do Commercio)

O futebol é um poema. Às vezes, metricamente perfeito. Outras tantas, propositadamente inexato. Mas nunca prosa, nem quando zero a zero. Jogar bola é declamar com os pés. Verso que acaba em gol, rima obrigatória dos craques. E, se é Dia da Poesia, o futebol faz seu brinde.

No Brasil, a data celebra Castro Alves, poeta dos escravos, branco que lutou pela emancipação dos negros como se por um gol em final de Copa. Pelé, dois séculos depois, foi a bola imitando a arte. Preto no topo do mundo, rei de pele escura, redenção do navio negreiro. Contramão na história de um país racista, libertação na história de um país mestiço.

Maradona é Gregório de Matos, é boca do inferno, ácido e teimoso. Não media versos, recitava o que coração pedia e a alma vomitava. De tão corrosivo, corroeu-se. É poesia em essência, nos erros e nos acertos, no tudo e no nada.

Zico, contemporâneo e rival, gênio e frustração, é Augusto dos Anjos. Irrefutável como poeta e craque, mesmo que 82 e 86 lhe imponham a psicologia de um vencido.

Se Ronaldo fora um poema, seria “Os Lusíadas”, maior epopeia que a bola já viu, guerreiro na grama e na vida, poesia de luta, versos de idas e vindas. O homem que rasgava o vento em campo qual Vasco da Gama no mar. O homem que por tantas vezes driblou o destino e deu nó no impossível. Ou talvez fosse João Cabral, morte e vida de um gigante, severino que virou história.

Futebol moleque | Foto: Rodrigo Lobo

Futebol moleque | Foto: Rodrigo Lobo

Romário, boêmio inveterado, coração desmesurado, um quase Vinicius de Moraes, foi Fernando Pessoa em estrofes e fatos. “Sou do tamanho do que vejo, e não do tamanho de minha altura”, disse Pessoa, disse o Baixinho. Escreveram, com as mãos e os pés, mais de mil gols cada. Não há como medi-los.

Denner, mais Álvares de Azevedo impossível, romantismo no campo, adeus precoce na vida. “Quanta glória pressinto em meu futuro/ Que aurora de porvir e que manhã/ Eu perdera chorando essas coroas/ Se eu morresse amanhã”. Nasceram na mesma São Paulo, morreram no mesmo Rio de Janeiro.

Messi é um haikai. Diz tudo no intervalo do nada. Em três linhas, a poesia vira verdade. De repente o gol. É ação que não permite reação, intrépido e imparável, seco como guilhotina afiada. Início, meio e fim: vulto. Poeticamente cirúrgico. Milimetricamente livre.

Neymar, delírio em forma de craque, da claque de Mário de Andrade, Pauliceia desvairada. Rompe e conquista, espanta e encanta.

O modernismo de Ronaldinho, Manuel Bandeira irredutível, farto do lirismo comedido e bem-comportado. O parnasianismo de Zidane, palavras raras, rimas ricas, sob o rigor da perfeição. A antologia do futebol.

Notícias Recentes